9 de mar. de 2011

NSP Cap 50.... Pensamentos de Capo D'anno

Estava eu feliz com a companhia do Babbo, com a beleza que estávamos fazendo juntos na reforma da Vila que eu sei será meu futuro lar por muitos anos.  A expectativa de ter junto a mim quase todos que juntos formavam o mio cuore. O Cado chegaria dali a poucos dias, depois se juntaria a nós o Lipo, o Léo, o Rick e seu namorado. Para o dia de natal consegui que alguns primos e tios se juntassem a nós. Seria uma bela festa. Uma festa sem sua rainha maior minha mamma. Mas eu sabia que ela estaria no coração de todos nós. Um único amigo me faltaria, mas eu sabia que ele estava em fase de construção de uma nova vida. Ele me faz falta, ele me faria sempre falta. Em todos estes capítulos falei dele apenas uma vez e por imposição dele mesmo. Falei dele quando falei de uma bela musica de Cole Porter. Essa saudade é semanalmente acalentada por longas conversas de telefone.
Mesmo em sua timidez de inverno os jardins da Villa estavam belíssimos. Duas novas estufas, uma para plantas africanas , tropicais e brasileiras claro! Outra um embrião de um orquidário. O Antigo palazzo restaurado no exterior e com ar mais moderno e sofisticado no interior que mistura mobiliários setecentista toscano, oitocentista brasileiro e clássicos modernos design. Os antigos 24 quartos  foram transformados em 10 apartamentos com sala, closet, sala de banho, quarto e terraço que serve tanto para aproveitar a paisagem, tomar sol como para refeições mais intimas.  Meu apartamento é completamente brasileiro, exceto por uma cadeira Charles Eames de estimação, adoro ler esticado nela, e lógico a sala de bagno, nisso os equipamentos italianos são imbatíveis. No apartamento do Cado usamos moveis da Escola Bauhaus. O Lipo e Léo têm sua suíte moderníssima! Lembra as belas naves de “2001 Space Odissey” de Stanley Kubrick. Sei que vão adorar a grande tela para o videogame e o sistema de som. No do Rick também fugi da Europa. Ele adora o tradicionalismo norte americano, é jovem e moderno mas com acento mais adulto. Acatei a sugestão do decorador e trabalhamos com o tema Frank Lloyd Wright, o arquiteto fetiche dos americanos. Usamos mobiliário da craft art americana, alguns com desenho do próprio Wright.  As outras suítes seguem a decoração da casa, cada uma acentuando uma região ou cidade italiana. Tudo ficou ao mesmo tempo aconchegante e elegante, sem grandes exageros. Fiz com muito carinho sei que o meu Cado vai gostar. Assim espero. As obras foram uma fornalha de euros. Estava ansioso para mostra ao Lipo a pequena fazenda que eu e o babbo criamos para lembrar o nosso pequeno sitio em terras brasileiras. As cocheiras reformadas ficaram mais confortáveis aos animais e aos amantes do hipismo. O Rick ficaria feliz. Fiz com carinho especial pensando nele, no amor que ele tem aos puros sangues. Quem sabe ele se anima a criar aqui belos exemplares, além dos majestosos Andaluzes que o Cado adora?
Circulei por todo o palazzo verificando detalhes que pudessem ter me escapado, circulei pelos jardins e campos junto com o babbo. Realizamos um lindo trabalho. Na próxima estate (verão) começariam a aparecer as cores. Um belíssimo detalhe feito pelo babbo depois que mostrei-lhe fotos dos jardins que Burle Marx criou para uma famosa casa em Petropólis desenhada por Niemeyer. Nesta casa um gramado em xadrez de varias cores.  O Babbo tanto fez que conseguiu criar na orla da estrada que leva a Casa principal e  no seu entorno um engenhoso xadrez de grama de varias tonalidades de verde.  Abracei meu Vecchio querido agradecendo-lhe sua presença e o carinho com que trabalhou. Beijei-lhe as faces rosadas pelo frio. Tudo estava pronto!  Eu tinha ido a Roma comprar enfeites de natal, também bonecos e brinquedos de La Befana, a bruxa boa que distribui presentes segundo as tradições italianas. Esperava agora estarem meus amores presentes para decorarmos juntos os salões e dar uma cara natalina a vila.
Deveria estar mais alegre! Não sei se a falta da mamma ou a distancia do Brasil me fazia sentir um oco imenso. Estava pensativo, neste ano aconteceram coisas em minha vida que mudaram meu destino.
Uma noite o babbo entra na biblioteca em que me recolhi na leitura de Fernando Pessoa. Sentou junto ao divã onde eu estava. Disse.
-Figliolo! Está triste por esses dias, que está acontecendo?
-Não sei babbo. Penso que é saudade. Mas também estou pensando no que farei com minha vida neste ano que se aproxima. Penso na viagem que quero fazer. Penso na mudança de tudo.
-Posso te dar um conselho?
-Se tem alguém que pode me aconselhar é você Vecchio mio!
-Fala com Deus!
-Ele disse que devemos pensar por nós mesmos. Esqueceu do livre arbítrio?
-Sei onde uma parte dele vive. Acho que você deveria visitá-lo. E acho que uns dias sozinho te fará bem. Filho gostaria eu mesmo te dizer-te o que fazer. Mas sou um simples sitiante, um ignorante. Sua vida é bem diferente da minha, suas escolhas são outras. Não sei como te ajudar nas suas decisões financeiras, isso você já mostrou que é melhor que eu. Não sei como te aconselhar nos sentimentos, pois apesar de compreender eu não entendo. Mas sei que você é homem observador e inteligente, você achará as respostas.
-Babbo! Minha vida foi e é pautada nos seus ensinamentos. Entendo que você não entenda minha vida, mas, babbo, te amo mais que sempre apenas por tentar compreender. Vou seguir seu conselho. Onde é mesmo que disseste que mora Deus?
-Sei onde é possível ter uma visão magnifica dele. Vá pra Sicilia. Você vai ver o maior Titã da Europa. O Vulcão Etna, dizem os antigos que dentro deste poderoso vulcão o deus Vulcano e os Cíclopes têm sua forja. Filho você ficará maravilhado com a força da Natureza. Lá Deus  te iluminará com fogo.  Segue meu conselho, senta numa noite em um lugar que possa vê-lo lançar suas lavas no céu estrelado da bela ilha. Às vezes filho para termos a real dimensão do que somos e do que vivemos precisamos ver um colosso em ação.
Olhei o rosto do babbo inflamado por sua convicção, sentia minha mão apertada sobre a dele. Pedi-lhe um abraço.
Ao sair do aperto quente e caloroso de seu peito eu já sorria. Disse-lhe que seguiria para Sicilia na manhã seguinte. E que deixava a casa com ele e que ele por amor de tudo que é mais sagrado se comportasse.
-Fica tranqüilo filho. A tal Principesa sua vizinha me convidou para um chá. Imagina eu! Um anarquista tomando chá com a velha nobreza Toscana?
-Tu não estás pensando em comer a velha né Babbo?
-KKKKKKKKKKKKKKKKKKK, me larga moleque. Cuida de sua vida!
Sorri com ele, eu me lembrava que eu mesmo tracei há uns meses atrás o cavalariço da Princesa. Se o babbo comesse a vecchia ou sua sobrinha casadoira seria uma evolução hierárquica das grandes. kkkkkkkk
Na manhã seguinte acordei cedo como de habito. Fui para academia, agora cheia de aparelhos novos, corri pelos bosques respirando o ar orvalhado com cheiro de verde. Tomei uma ducha. Fiz a prima colazione (café da manha) com o babbo. Pus uma mochila nas costas e peguei o SUV. É mais confortável para a viagem longa e com variação climática que eu faria, além disso deveria levar comigo ferramentas novas que o babbo tinha comprado para sua carpintaria no sitio. Dei um beijo no babbo.
Um sol frio brilhava nos belos campos de Barberino, a estrada estava calma, quase deserta. Em poucos minutos entrei na movimentada auto-estrada que me levaria direto a ponta da bota formada pela península italiana. Ali o movimento era maior.  De vez em quando via no retrovisor um farol característico da macchina (automóvel) fetiche italiana, a Ferrari, segundos depois um relâmpago vermelho cruzava a janela do carro, ouvia-se apesar de fechadas as janelas, o ronco incrível de seus cavalos desdenhando da força do Land Rover que eu dirigia, maior, mais alto,mas que parecia um imenso Jabuti perto das curvas quase eróticas da poderosa maquina feita a mão e coração.
Viajava tranqüilo admirando os campos em tons marrons entremeados por imensos fardos de feno que serviriam de alimento para as criações durante o frio inverno europeu. Ás vezes eu sai da auto-estrada para por curiosidade passar dentro de burgos medievais, ver belas construções antigas que me enchem de orgulho de ser meio italiano, nestes burgos aproveitava para comprar queijos e vinhos de fama. Estava eu quase que atravessando a Itália de norte a sul, teria na volta queijos e vinhos de vários climas e com características únicas de cada região.
Alguns quilômetros mais de auto-estrada e reconheci que estava próximo a Roma ao avistar os primeiros aquedutos, os mesmos construídos pelos romanos antigos. Estes aquedutos levavam e alguns ainda levam água das montanhas para Roma. Passei direto pela capital do antigo Império e segui para Napoli. Uma viagem de mais umas 4 ou 5 horas, mas eu gosto de asfalto me faz sentir livre.
Logo depois do grande anel viário que circunda Roma desliguei o climatizador do carro e abri as janelas. Senti o ar mais quente do centro-sul da Itália.
Nossa como a Itália consegue ser mais Italiana ao sul! É neste ponto cardeal, longe dos grandes centros de arte que exaltam a beleza do Renascimento ideológico e artístico da humanidade que a Itália se transforma na terra de belíssimas praias de azul incrível. De ragazzi galanteadores sempre bronzeados e com gel no cabelo, de ragazzinas sedutoras de ar coquete, de roupas no varal, de cheiro de uva nos campos. Terra de mammas que gritam e riem com suas crias, de almoços na varanda com vinho, brigas e risos.
Terra onde a massa é rainha, onde a pizza que conhecemos nasceu, onde o pomodoro  (tomate) é mais doce, ás vezes dourado como ouro, ás vezes rubro como sangue. Também é o lar das místicas máfias e camorras, organizações criminosas que deram origem a imensas fortunas, sofrimentos, vergonhas e roteiros de cinema.
Cheguei a Napoli no fim de tarde, resolvi dormir num hotel. Os fantasmas que rondam o sitio do babbo ainda me apavoram. São lembranças tristes, também belas lembranças. Num átimo lembrei uma noite enluarada, da mamma no colo do Lipo, de minhas mãos em seus cabelos ralos lhe acarinhando e do Babbo cantando uma bela cançoneta napolitana. Esta noite é uma das mais belas de minha vida. Estávamos nós quatro juntos e felizes. Nada importava naquele momento. Não havia saudade, não havia medo, não havia perda. Estávamos de novo em terra nostra, com as mãos calejadas da colheita e a sensação de dever cumprido com a terra. O sorriso da mamma é algo que nunca vai sair de minha lembrança. Ela olhava o babbo com devoção, nos olhava com uma ternura sem fim. Naquela noite ela me disse com sua voz fraca pela doença que lhe devorava que tudo tinha valido a pena, que ela era muito feliz, e que sempre seria feliz através de seus homens. Que nós três a fizemos a mulher mais feliz da face da terra.
Sonhei com a mamma na cama impessoal do hotel. E ela me levou a um tempo em que eu deitava em seu regaço, sentia seu peito quente me aquecendo a nuca. E ficávamos quietos apenas sendo mamma i figlio.
Acordei com a sensação de que tudo pode dar certo.
Depois dos exercícios e de me alimentar fui ao sitio deixar as encomendas do babbo, passar as ordens que ele havia mandando. Dei uma volta pela propriedade para ver como seguiam os últimos mandados do babbo e segui viagem depois de pegar uma caixa do azeite virgem e perfumado fabricado ali.
Segui mais para o sul já margeando o Mar Mediterrâneo. A brisa salgada me faz bem. Tão perto da Costa Africana eu estava que não pude deixar de pensar na terra que eu tinha deixado para trás. Minha Bahia querida, cheia de cores e sons, de amigos que cantam a cada palavra seu sotaque gentil. Lá somos todos reis, somos brodér. Assim se tratam os amigos. “Meu brodér”,” Meu brodinho”, “Meu rei”,” Minha Pedra”. Os amigos são qualquer coisa que venha anunciado do pronome “Meu”, um meu que quer dizer que é de meu coração. Na Bahia dizemos  “Eu te amo seu porra!”, com a mesma doçura  de um beijo. Lembrei que Bahia não é um estado, Bahia é uma nação! Um estado de espírito e de viver com peculiaridades que são únicas. Lembro-me de um amigo carioca que me visitava.  Estávamos na orla, ele vinha atrás de mim, levantou minha bermuda que estava segura apenas pela curva da bunda. Disse-me que eu estava pagando cofrinho. Eu ri e lhe chamei atenção para as pessoas que passavam em volta. Logo ele viu um belo negro com a bermuda quase no meio da bunda nua. Eu ri e disse-lhe.
-Cofrinho na Bahia, é tudo de bom! Kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Peculiaridades de um povo que inventou seu próprio dialeto e sua maneira de ser feliz. Very normal ver uma pessoa se entupindo de água no trabalho pelo cansaço da noite anterior dançando em algum ensaio de bloco ou festa de largo. E quando você pensa que ele vai descansar depois do batente ele tá te chamando todo animado pra próxima festa! Baianos são ligados no 220 Volts, não acredite na história que são preguiçosos.
Cheguei na pontinha da bota italiana, na pequena Villa San Giovanni.  Podia ter pego um Traguetto ( ferry boat/Barca) em outro porto, mais ao norte,  talvez até mais confortável, mas a viagem em macchina estava tão deliciosa que me decidi a só largar o volante quando fosse cair no Mediterrâneo. Além disso, a viagem é bem menos demorada por mar partindo de San Giovanni. Deixei o carro num estacionamento e aluguei uma lancha veloz.
Cheguei rápido a Messina na Ilha da Sicilia. Aluguei um pequeno Jeep.  Dirigi-me a bela e minúscula cidade de Taormina, encravada no Monte Tauro. Cidade secular, outrora um porto Sarraceno. Agora estava bem perto de meu destino, o Parco Regionale Dell’Etna. 
Passei um delicioso fim de tarde na orla calma de Taormina. Tomei um Campary como que para celebrar a Itália. Na bela varanda que se debruça sobre o pedaço de mediterrâneo que fica entre a Ilha da Sicilia e o Continente europeu conheci um simpático casal de aventureiros franceses que felizes por saber que eu seguiria para o reserva do Etna me convidou para fazer o trajeto em bike assim que cruzássemos a fronteira do Parque Reserva. Falaram que acampariam lá uma noite. Fiquei animadíssimo com idéia. Ofereci-lhes carona no meu Jeep, desde que esperassem eu comprar um saco de dormir e alugar uma  bike antes de partir.
Na manhã seguinte fiz apenas um leve aquecimento dos músculos com uma corrida pela orla pedregosa, pois não tinha a mínima idéia do que me aguardava em termos de esforço físico. Perturbei tanto o recepcionista que ele conseguiu que o dono de uma loja esportiva me abrisse as portas para que comprasse o saco de dormir, tênis de trekking, cantil, lampião, bússola,  comida desidratada e um carregador de bateria de celular movido a corda. Tudo no menor volume possível. Aluguei uma Trek bike que me pareceu bem equipada e forte para agüentar meu peso.
Encontrei o simpático casal na recepção do hotel. Verificamos se tínhamos tudo que precisávamos inclusive a permissão para pernoite no Parque. Eu estava na carona deles. Caso desse problema uma boa propina resolveria o problema. Coisas da Sicilia. Carregamos o Jeep e seguimos sob um céu que não denunciava de forma nenhuma que era inverno não fosse um vento que gelado e umido que soprava de vez em quando. Ás dez horas já estávamos na porta principal a leste do Parque. Descarregamos as bikes. Equipamos-nos com os itens de segurança, conversamos com os guarda-parques sobre o roteiro. Estudamos os mapas e seguimos.  
O Parque é belíssimo, sempre renascendo das cinzas de incêndios provocados ou acidentais. Só para esclarecer. O Vulcão é ativo! Não chegaremos perto dele. Apenas próximo o bastante para sentir sua fúria. Acampariámos bem próximo de uma cabana da guarda florestal, longe o bastante para termos a ilusão de solidão.
Passeamos entre árvores de médio porte. Ás vezes sentíamos cheiro de enxofre quando o vento vinha da direção do vulcão. Nadamos em lago aquecido pelo vulcão. Comemos nossa comida desidratada. Ri muito da forma como os franceses serviam a comida, pareciam que estavam no La Tour D’Argent (caríssimo restaurante francês). Conversando mais com eles pude perceber o porquê! Ele é filho de um banqueiro francês e ela uma Lady da corte de Luxemburgo.  No momento que ela citou a descendência pensei no pobre da Princesa ou sua sobrinha que estava a um passo de ser vitima do touro napolitano que é o babbo. Sorri.
Durante o dia só é possível perceber as explosões do Etna, nada de fazer chão tremer, mas se faz sentir. No fim da tarde montamos acampamento e nos posicionamos para ver o grande espetáculo de Vulcano.
O sol se punha lentamente às nossas costas deixando rosadas as escarpas laterais do monte altíssimo. Via-se feridas causadas por momentos mais violentos do Titã.  Assim que a ultima réstia de luz deixou a abobada rosada celeste, o Etna deu um soluço poderoso lançando alto sua lava que só pode ser vista em toda sua beleza à noite. Com o vento contra nós sentimos um vento que lembrava o Scirocco, um bafo quente em rajada. Meu coração deu um salto de emoção. Nunca tinha visto tamanho poder! Os chiquérrimos franceses me surpreenderam oferecendo-me  um delicioso champange. Como que os putos o manteve gelado?  Brindamos ao Etna!
A cada dois minutos o vulcão lançava lava cada vez mais alto. Ele se exibia na noite escuras, ofuscava as estrelas, com seu brilho intenso e vermelho. Depois segui-se um rugido e outro tanto menor de lava, mas, mais grosso. E isso se repete num ciclo sem fim e é sempre de uma majestade arrebatadora.  Aquilo me tocava tão profundamente que senti meus joelhos se curvarem. Sentei no chão pedregoso. Olhei para o lado e vi as faces do casal que a cada golfada do vulcão ganhava tons vermelhos, quase diabólicos. Também eles estavam em silêncio. Também sentiram a força das forjas de Vulcano. Também eles pareciam ter encontrado respostas.
Não lembro quando tempo ficamos ali, parados, bestificados com o espetáculo da fera que fazia o fogo liquido dançar à nossa frente. Só tirei os olhos bem tarde, quando já não agüentava me sustentar acordado. Deitado depois de ter me unido ao Titã de alguma forma, ou pelo respeito e admiração que ele me causou, eu sentia o chão que deitava vibrar com seu pai.
O Babbo tinha razão! Durante o tempo que fiquei ali observando a força de Deus, da natureza. Eu percebi a pequenez dos homens. Nós que estamos a tão pouco tempo neste planeta e nos julgamos superiores. Diante de tudo aquilo minhas mudanças, viradas, vitórias e perdas ficaram tão pequenas que tudo se tornou fácil e leve.
É verdade! Tinha eu passado por muita coisa! Mas o mundo todo continuava igual na sua incansável transformação. Todo o planeta muda a cada segundo. Seja aqui nesta ilha mediterrânea, seja no Pacifico Norte onde o Kilauea faz crescer o Hawaii. Tudo pode mudar muito rápido! Um simples soluço de outro Titã nas profundezas do Caribe quase fez desaparecer a primeiro país no mundo a abolir a escravidão. O Haiti. Outro soluço destruiu a segurança e civilidade progressista do Chile.  Assim como séculos antes soterrou sem dó o mais belo balneário Sul da Itália, Pompei. 
Estas transformações me mostraram que naturalmente também vou viver revoluções. Que não as mudanças que estão por viver podem não ser planejadas.
Percebi que posso ter deixado uma terra querida, mas tenho outra terra que amo. Percebi que ficarei muito tempo sem ver amigos queridos, mas tenho meu babbo, tenho o Cado e tenho o Lipo e o Léo. Não tenho razão para sofrer como um personagem de conto de fadas. Como uma princesa numa torre. Eu não vivo numa torre! Meu coração é simples ainda, tenho perto de mim tudo que preciso. Sou jovem e posso fazer e refazer tudo que precise ser feito ou refeito. Como posso ter duvidas de que vencerei as saudades se tenho comigo o amor agora mais aprofundado de meu babbo? Tenho a companhia permanente do amor de minha vida que está sempre a estender-me suas mãos e braços carinhosos. Caralho! Moro numa Villa luxuosa que 95% do planeta nunca vê nem em museus. Vivo uma vida que muitos lutam décadas para conseguir. Tenho oportunidades que criei e criarei com a força de minha vontade e meu intelecto. Tenho um mundo inteiro ainda para desbravar, culturas a descobrir, formas novas de ver e viver a vida que ainda não compreendo.
Lembrei-me de Adriano, grande imperador romano. Ele viveu numa época em que os deuses pagãos definhavam e o cristianismo ainda não havia encorpado. Nas suas cartas-testamento que deixou a Marco Aurélio ele exalta seus aprendizados e fala do quanto aprendeu com as perdas. Fala de seu amor por Antínoo. Muitos comparam este amor a linda e erótica estória do amor de Zeus por Ganímedes. Diz a lenda que Ganímedes, um príncipe troiano era um jovem belíssimo. Um dia ele estava pastoreando o rebanho de seu pai quando Zeus o vê. Imediatamente Zeus fica impressionado com a beleza fabulosa do rapaz. Então transforma-se numa poderosa Águia e o rapta com suas garras. O possui em pleno vôo.  Zeus o leva ao Olimpo e causa ciúmes aos outros deuses dando a Ganímedes tarefas que eram deles. Com Adriano a fim foi mais trágico. Antínoo se joga no Nilo e se afoga.  Ao fazer 20 anos ele crê que não possui mais os atributos que são a razão do amor de Adriano. Bem, essa é uma versão! Alguns crêem que Antínoo se oferece em holocausto aos deuses para reverter problemas de saúde pessoal e popularidade que Adriano passa na capital Imperial.
Não que queira me comparar ao sublime Ganímedes ou ao belo Antínoo. Mas Muitas coisas que tenho resolvido em minha vida são em função do amor que eu tenho por Ricardo. Notem que não falo que é por causa do Ricardo pessoa em si, o que a meu ver soaria como idolatria, ou um amor quase feminino coisa que infelizmente nós homens não somos capazes. Falo que é por causa de nosso amor. Amor que me engrandece, me fortalece, me faz melhor.  É construído, alimentado e mantido por nós dois. Ou seja, o que faço por amor, faço por mim também.  
Será que compliquei? Será que estou sendo claro a vocês com quem dividi minha historia  nestes capítulos e meses todos?  Vamos por ponto então:
Sobre o amor feminino:  Ás vezes brinco aqui sobre as mulheres. Mas saibam que apesar de não ser capaz de amá-las mais que eroticamente sou admirador das danadas. Se prestarmos atenção na história da humanidade perceberemos que apesar do sofrimento e lugar terrível que as colocamos elas na verdade sempre governaram o mundo, ou ao menos são co-produtoras muito ativas neste teatro. Pelo simples fato delas terem criado nosso subconsciente. Elas estão nas memórias primordiais de todo ser humano que habita neste planeta. Algumas vezes penso que o machismo infantil dos homens (e de algumas mulheres) é simples medo e negação do poder que elas têm sobre nós. Isso Freud sacou né? Tem jeito não galera!  A buceta é a mãe do mundo! E a primeira coisa que procuramos ao sair de dentro dela, é a teta materna, fonte de alimento.  O resto escrevo como editorial no blog para não virar uma tese de mestrado esse papo aqui.
O Porquê dos Pensamentos:  Os Pensamentos que estavam me deixando encafifado e me trouxeram a orla do Etna, não foram só de saudade e lamurias. São introspecções que me fazem questionar todas minhas ações que me trouxeram até onde estou.Todas elas mesmo! O incesto ainda mantido e sem remorso. Minha fuga da cidadezinha que me criei. O Prostituto que me tornei quando cheguei a Salvador. A descoberta do humano em cada pessoa que me despiu, a visão das ilusões, medos, segredos e travessuras de cada um que dividiu suas fantasias comigo.  Sim foi fácil ser prostituto, difícil foi me dar bem e me manter integro. Inteligente foi ter a sensibilidade para aprender com quem me partilhava comigo e me fazia autor de suas fantasias sexuais.   E sim. Tenho a mais absoluta certeza que poderia ter vencido de outra forma, socialmente ou abertamente mais aceita. Mas tenho a mais absoluta certeza que não teria sido tão divertido, apesar das amarguras e humilhações que sofri às vezes. Ou talvez tenha aprendido muito com elas também.  Depois a vinda do Felipo para junto de mim. A queda do Lipo aos infernos dos vícios. Inferno que acabei visitando na batalha para não perdê-lo, pois, sabia que seria minha culpa se isso acontecesse. Sim seria minha culpa! Eu exercia um oficio que sabia me fazia alvo de coisas más. Fui tolo, fui leviano, achei que tinha super poderes e que o Lipo era herdeiro deles. Depois o amor que me arrebatou de forma tão integral. Primeiro me fez sentir pequeno, insignificante, não digno de quem desejava. Tive sorte de vencer essa batalha, apenas por que aprendi que estava diante de algo muito grande, um sentimento que era maior que eu. Então pisoteie feliz meu orgulho e ego alimentado a grana alta. Um sentimento que somado ao sentimento pelo Lipo me fez parar uma bala. Que romântico! Mas será que foi só por amor que me fiz escudo deles? Ou medo de Ficar só? Será que a mesma coisa?
 Depois a ida para Brasilia, a mistura com a parte feia. O conhecimento do quão cruel pode ser os olhos da ambição, não só pelo dinheiro, mas pelo poder. Aprendi como andar no fio da navalha, ter o pensamento sempre na defensiva, estar sempre pronto para o ataque. Pensar como General e ser Soldado na linha de frente. Modo de ganhar a vida que me fez rico, mas que não me fez bem em nada a não ser poder dizer que um dia que vi o nefasto “Retrato de Dorian Gray” (Pecados) de nossa sociedade.  Não digo isso de forma a me poupar de críticas e censuras, me vitimizar de algum modo. Vocês sabem! Sou astuto e observador, eu sabia o que estava acontecendo, sabia o que estava fazendo. Devo confessar que o cheiro do sucesso, do poder quase me levou para o lado negro da força. Mas tal pecado sei que estou expurgando de mim a cada minuto vivo.
Continuando tudo isso! A perda da mamma, sua morte lenta. Assistir a fragilidade de nossos sonhos, ter a certeza do ditado que promete “Sois pó e ao pó voltarás”  de muitos modos foi uma libertação. Libertei-me vendo a mamma ir aos poucos e mesmo assim estar feliz por saber que é amada e que ama. Isso eu também posso dizer. É pra isso que vivemos.
Houve brigas com o babbo! Com a mamma se despedindo chegava hora de reafirmar quem era o homem da casa. Estava aberta a eleição do novo Macho Alfa.  Dessa vez ele estava sem a fêmea que lhe dava os direitos, e foi obrigado a aceitar que seus filhos não escolheriam uma nova fêmea, que os machos que são suas crias farão suas vidas de outro modo. Agora sem a desculpa de não pensar para esconder tal pecado da mamma, as coisas teriam que ser mais claras ou nos separaria pra sempre. Seus príncipes machos agora independentes o bastante  para dizer não. Para Macho Alfa continuar seu reinado o babbo teria de encarar que seus meninos se amam de forma que é odiosa a muitos. E eu falei a ele com o dedo em riste e voz alta, de uma forma que ele nunca tinha ouvido, despi minhas verdades, mas também disse-lhe de sua importância, do amor que nos inspira. Deve ter feito uma revolução em seus conceitos mais superficiais, mas sei também que com uma alma anárquica como a dele o amor venceria. Foi o que aconteceu. E o Macho Alfa continua lá poderoso e amado! Mas agora tem seus príncipes mais perto que nunca.
Sofri o ciúme imenso do casamento do Felipo. Ciúmes e medo de um casamento sem amor que me tiraria o Lipo e o levaria a um futuro infeliz, ou na melhor das hipóteses acabaria com sua carreira quando fosse assinado o divórcio que era certo.  Mas então tive a surpresa!        Apesar de continuar fazendo loucurinhas, ele cresceu com a ausência da mamma, a anuência silenciosa do babbo. Até a descoberta de que escondi dele por muito tempo a doença da mamma, acabou virando combustível para ele querer ser homem sozinho, e homem sozinho ele viu que Léo o ama. Homem sozinho percebeu que o amo ainda mais, mesmo que ele não tenha de mostrar que sou necessário o tempo todo para cuidá-lo. Como poderia deixar de amar de todas as formas que amo, o irmão, que é alma parte de minh’ alma? E como poderia não amar o homem que me fez homem? Que me fez descobrir os prazeres e poderes do sexo, a força bruta e animal da carne que dividimos e que nos faz homens? Será que nos amamos por sermos espelho? Por nos vermos no outro? Não! Isso seria repetir Narciso. Amamos nossas diferenças principalmente. Amamos a completitude de estarmos juntos.
Decidi que era hora de parar de me preocupar se amo mais o Lipo ou o Cado. É-me impossível. São amores tão iguais e diferentes. Iguais, pois, sei que eu sou para o Lipo como Ricardo é para mim (Porto de paz e amor, tranqüilidade e Paraíso de sentidos), e como num ciclo. Eu sou para o Cado o que Felipo é para minha pessoa (Alegria, desejo, amor e fogo que nunca apaga). Talvez esse triangulo no meu coração é que me faça entender perfeitamente o que sou para um para o outro.
Estou crescendo! Com os trinta anos se aproximando, sei que dissiparei muitas dúvidas a cada ano que passarei vivendo dia após dia. Hoje não me sinto tão velho. Sei que tudo foi rápido demais, intenso pra caralho! Mas, tenho uma nova vida para construir, num mundo diferente.  Novos desafios virão, talvez mais intensos ainda, pois agora a luta pela sobrevivência, (literalmente)  não existe mais. O que fiz e faço de forma tranqüila hoje me mantém seguro e confortável. Não pensar em dinheiro para comer e pagar morada, não ter um trabalho com centenas de famílias que dependem de você fabricando recursos. Não ter a dependência do Lipo que exigia cuidados e temores. Não ter a mamma para sofrer por ela. Vai me fazer viver minha vida por e para mim. Isso tem me feito romper com certezas que eu dava como universais. O tempo para mim mesmo me faz livre e responsável completo por meus atos. O cara que se fez puto para ter educação, dar oportunidades ao irmão e conforto aos pais não existe mais. A primeira parte da grande aventura eu cumpri.  Algo me diz que essa nova guerra é mais feroz. Terei que aprender a conviver com o cara que amo, dividirei diariamente minha rotina com quem estou acostumado a amar confortavelmente, a ver quando chamo ou aceito o convite.
Pode não parecer a vocês que lêem minhas aventuras eróticas quase como se elas acontecessem diariamente. Mas acreditem estou mais tranqüilo. Sério! Sem sacanagem!  Lógico que realizo minhas fantasias, dou minhas trepadas. Mas não sinto mais o impulso insano de seguir o cacete. Acho que eu e o Matteozão estamos chegando num acordo, a cada 3 que ele quer pego 1. KKK.  E tenho que contar que o bote dê certo. Pode não parecer, mas lembrem que predadores erram também. Nunca viram no Discovery?  É que aqui conto os que deram certos, quem leria um conto erótico de tocos homéricos? A máxima continua verdadeira. Uma vez putão sempre putão. Sou cachorrão vira lata e sem vergonha. Mas, agora estou mais seletivo. É rapaziada! Agora prefiro alvos bem difíceis. Isso me distrai e excita. Mas sempre que querem o facinho aqui, eu vou. KKKKKKK
 Enfrentarei finalmente eu mesmo, as minhas vontades e sonhos pessoais. Agora o caminho que devo construir será feito com meus mais íntimos desejos.  E posso adiantar uma coisa! Quero muito não! Quero ser feliz, quero fazer o Cado feliz, quero manter unida minha estranha família só de machos. E um dia. Um dia perfeito.  Vou dar ao mundo um eu melhorado através de um filho. E vou ensinar tudo que aprendi, e vou aprender tudo de novo com ele.
 Depois dessa revigoradora viagem solitária ao interior de mim, de meu próprio vulcão. De ter visto o poder divino da natureza e saber qual o nosso lugar neste planeta.
 Dormi com um sorriso nos lábios e coração sereno cheio de novas vontades, repleto de uma força nova.

3 comentários:

  1. Eu nao sei por onde começar, cara. So to escrevendo esse comentario pra vc ver q eu li, mas agora eu preciso absorver tudo isso e dps te falar oq eu acho.

    Abração Grande, seu Le.

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  2. Matteo cada dia vc me surpreende com os seus contos.. cara vc é demais...

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  3. É mano véio, continua surpreendendo...cá pra nós...agora entendi pq meu love quando leu este capítulo se emocionou...tu falou nele novamente. Ele fica todo mexido com as lembranças que se seguem...e outra, tu acabou de entregar-nos o ouro que faltava nesse conto. Mas fica tranquilo, vou guardar no baú da felicidade que nos deu. Sei que a chama do Etna fortaleceu teu core e te deu a confiança que fostes buscar. Sabes que estamos aqui do outro lado do mundo torcendo por vc e confiando no teu sucesso. Pode ser que a Bahia como Estado não vá até a Itália mas os irmãos de Pátria, de Nação, de terra amada e amigos fiéis, estes sim, mesmo envolvidos em suas habituais ou renovadas caminhadas, podem encontrar uma brecha nas suas rotinas para abraçar um mano tão querido como tu. Lembre-se que da tempestade vem a bonanza, do outono, a primavera. E na primavera é que se veêm desabrochar as mais belas flores que outrora se escondiam em meios aos simplórios arbustos. Semeie o quanto puder, pois mais tarde terás tua recompensa. Não pense que o tempo é finito para ti, pois muita água ainda há de passar por debaixo desta ponte. Que as águas de Mamãe Oxum te acalentem o coração, te adocem o pensamento e te embalem em todo teu esplendor.

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