23 de set. de 2010

NSP Cap 36 Mamma!

Pela primeira vez passei a noite insone num vôo transatlântico, costumo dormir logo após o jantar.  Cada vez que eu fechava os olhos, ouvia a voz grave do Babbo preocupado com a saúde da mamma. Sempre que remexia na poltrona sentia o Ricardo abrir os olhos tentando saber o que se passava comigo. Ele sabia. Ele sabe! Tenho pressentimentos e estes quase sempre se justificam. Quando abria os olhos via sua mão sobre a minha e isso me era como uma ancora segurando-me em uma tormenta feroz.
Desembarcamos em Fiumicino no Leonardo da Vinci e após a imigração fizemos baldeação para o Ugo Niutta, Aeroporto Internacional Napoli. Detestava fazer isso, sempre preferi um dia ou dois em Roma e depois o trem para Napoli, assim matava saudade das paisagens italianas, mas sentia urgência em ver os Babbo. Assim que chegamos alugamos um carro e fomos direto para o sitio do Babbo.
Chegamos antes do meio dia e encontramos a casa principal em reforma. Foi uma sugestão minha e um presente para que a casa ficasse mais confortável. Estavam sendo ar condicionado frio e quente, umidificadores e ampliação da cozinha e sala principal. Tinha pedido ao arquiteto responsável que deixasse a casa preparada para idosos, transferindo o quarto principal para baixo, pondo barra nos banheiros, pisos antiderrapantes nas varandas, alarmes de fumaça, telefone em todos os cômodos.  Tais mudanças se estendiam ao mobiliário, que não tinha quinas, eram de altura mais ergonômica, como nos armários de cozinha. Havia solicitado que tornasse a casa mais verde, usando painéis solares e reaproveitamento de água da chuva e do banho. A reforma estava no fim e a casa estava parecendo muito bonita com nova pintura e acesso mais fácil. Pensei comigo. Tomara que a mamma esteja feliz e curtindo a nova!
Fomos recebidos pelo Babbo que surpreendeu o Cado ao pegar sozinho as duas malas. Imediatamente tomei dele a bagagem e avisei que o Ricardo ficaria num hotel. No fundo senti um alivio da parte dele. Sempre senti estes desconfortos do Babbo com a proximidade do Cado, sei que dentro dele sabe exatamente a relação que temos. Sempre foi simpático e gentil retribuindo os modos do Cado, mas eu sei do desconforto, por isso o Ricardo fica em hotel nas poucas vezes que foi comigo à Napoli.
Entrei gritando pela mamma. A encontrei nos fundos colhendo pomodoro (tomate). Estava magra como nunca tinha visto, um arrepio me passou pelo corpo. Seu sorriso se abriu e reconheci la mia vecchia querida! A magreza a deixou mais envelhecida. Corri para seus braços e a rodopiei, sorrindo e beijando-lhe as faces. Ricardo assistia a tudo, pude ver seu pesar em seus olhos. Sempre fui orgulhoso da beleza da mamma uma napolitana com todo esplendor de sua raça, mesmo quando era maltratada pela lida do campo via-se sua beleza mediterrânea. Também o Babbo hoje mais descansado, livre dos rigores de seu trabalho duro, mostrava como era belo em sua altura e porte, ela morena, ele de uma loirice surpreendente nos povos do sul da nossa Itália, ambos de olhos azuis, ela azul escuro, quase marinhos, tenho seus olhos, ele de uma clareza impar, herdada pelo Lipo. Vêem-se em nós dois, eu e o Lipo a mistura dos dois, cada qual com características mais para um lado, meus cabelos muitos negros da mamma, tenho a altura e robustez do Babbo. O Lipo com traços que tornavam impossível negar a paternidade, olhos claríssimos, cabelos mais claros que os meus, e o porte principesco do Babbo. Porte que anos de trabalho curvado com a enxada na mão não foram capazes de curvar.
Depois do almoço o Ricardo inventou uma desculpa para me deixar com os babbos.
O Babbo foi me mostrar o sitio e as novas plantações, estava colhendo frutti di Bosco, pequenas frutas colhidas no bosque que tem alto valor de revenda. Inicialmente colhiam as frutas selvagens, depois de alguns estudos começou a plantá-las dentro do bosque por trás do sitio, estava dando uma boa renda e mantendo o sitio sem minha ajuda. Eu estava pagando apenas as reformas que eram um presente pra eles. O Babbo me falou de sua vontade em comprar os olivais do vizinho. Na mesma hora topei e entrei como sócio na empreitada.  Estava gostando de ver meu Babbo se tornar um homem de negócios. Pretendia fazer azeite extra virgem e revende-lo a restaurantes locais usando a marca deles. Eu pensei melhor e achei que podíamos entrar com nossa própria marca fazendo um produto de altíssima qualidade. Ele concordou. Quanto à mamma depois de nos ouvir se recolheu ao quarto. Tentou não demonstrar, mas estava cansada, cansada de uma forma que nunca percebi nela no meio do dia.  Foi o espaço que eu precisava para falar com o Babbo sobre ela.
Depois de me repeti seus temores. Fui ao quarto deles. Precisava falar com ela olhando em seus olhos.
-Mamma, que está passando com sua saúde?
-Sono bene figlio mio!
Disse isso olhando para os lados sem me encarar. De forma suave, peguei seu rosto em minhas mãos, abracei seu corpo agora quase franzino.
-Mamma, o Babbo está preocupado, eu vim do Brasil somente para te ver e saber o que se passa. Não mente pra mim. Você nos ensinou do horror que é uma bugia (mentira). Estamos tutti preocupati com te. Non fa cosi, ti vogliamo bene mamma.
Ela se apertou em meu peito e me disse que falaria. Com a condição de não falar nada com a Felipo. Na hora percebi que de verdade a coisa era grave. E entendia sobre tudo a sua disposição em cuidar para que o Lipo nada soubesse. Ele é apegado demais a ela. Il figliolo prediletto di lei (dela). Nunca permitiria o sofrimento do Lipo, e pedindo a mim sabia que seria cumprida a promessa. Mas que ninguém a mamma sabe de meus cuidados com o Lipo. Sabia que ela atravessava um período de muito estudo terminando a pós-graduação.
De todas as formas lhe prometi o que me pedia. E me preparei para o pior.
-Figlio,  tenho câncer!
No mesmo momento fiquei lívido, e senti minhas faces frias.
-Como câncer mamma? A senhora não tem feito seus exames regulares?
-Sim figlio tenho, mas, alguns deixei passar, me envergonho de tirar a roupa na frente de outro, mesmo outra Donna. Tenho um caroço no seio e um no ovário.
-Há quanto tempo?
-Quasi due anni fa.  (faz quase dois anos)
Minhas pernas tremeram com esta ultima frase, agora senti toda a loucura de que a mamma era vitima. Vitima dela mesma, de sua insensatez, de esconder o que não poderia ser escondido. Como pode a vergonha matar alguém? Dois anos sem tratamento, dois anos sofrendo sozinha. Agora minhas mãos também tremiam, mio cuore parou por alguns segundos, meu cérebro conectava lentamente tentando digerir toda aquela loucura.
-Dio mio Mamma! Che giudizio mamma! No posso credere! (Meu deus mamma, que loucura, não posso crer!)
Ela simplesmente se aninhou em meu peito, não falou mais nada. Tremendo ainda a abracei e sentia seu sofrimento em cada fibra de seu ser. Cada músculo dela sofria comigo! Cada célula minha sofria com ela. De repente me senti um vilão, onde eu estava que não percebi? Por que mandei minha mamma para tão longe de mim?
Então veio a frieza1 A coloquei de frente a meu rosto. Beijei-lhe as faces e disse.
-Mamma vamos falar com o Babbo agora mesmo!
-Por que fazer ele sofrer?
-A senhora acha que ele esta sofrendo menos, sendo posto de lado na viagem que a senhora resolveu fazer sozinha? Mamma!  Vim aqui apenas para isso. Vamos ver o que pode ser feito. A ciência ta avançada, tenho dinheiro mamma! E mesmo que não tivesse venderia minha pele para te ver saudável de novo. Não posso permitir que faça uma coisa destas. Pensei que estava sendo um bom filho para a senhora, pensei que era feliz mamma! Como pode querer morrer e nos deixar desse modo?
-Figlio! Figlio mio, sono Felice. Sou feliz por ter uma famiglia maravilhosa, dois filhos que fizeram o que seus sonhos mais altos os levaram a sonhar. Sou feliz e orgulhosa de ser mãe de uomo como você. Um homem que fez tudo por sua família, seus pais e seu irmão. Que nem um só dia de sua vida nos tirou do coração. Eu sei meu filho que sua vida não foi fácil, eu sei o quanto fez por nós, pensou em nós. Acha que eu não senti falta de seus abraços em todos os natais que esteve longe batalhando para sobreviver? Acha que não sonhava contigo no dia de seu aniversário. Por muitos anos meu filho, sonhei em te ver como te vejo agora. Um bello uomo, com um belo trabalho e uma bela casa, um uomo realizado. Sei um bravo figlio mio!  Te voglio bene, tanto quanto pode um coração amar, tanto quanto mil mães amam seus filhos.
Eu tinha a cabeça baixa e chorava como um bebê. Ela pôs a mão no meu queixo, me fez olhar para ela e disse de novo.
-Te voglio bene! Chiama  tu babbo!
Não sei de onde arrumei forças nas pernas para sair dali e correr para meu Babbo. Minha mamma tinha me dito coisas que nunca tinha ouvido dela. Claro que sei que ela me ama, sempre me sentir amado em família. Mas nunca pensei que minha mãe tivesse tanto orgulho do que me tornei. Ela nunca tinha me dito. Sempre foi carinhosa e extremosa, mas estava eu acostumado a ser o filho do Babbo, pois éramos tão próximos devido talvez as manhãs  e tardes na lavoura, as longas caminhadas para a feira, as noitadas em bordeis. Nisso ficava longe da mamma e via de longe sua proteção de leoa ao Felipo. Este pela diferença dos dois anos acabou um pouco afastado de nosso convívio que o Babbo considerava ainda rude para ele.
Cheguei a meu Babbo e lhe abracei forte, forte de uma maneira que ele sentiu que o que tínhamos falado me tocou fundo e doeu demais. Senti naquele momento que no fundo ele sabia, por um momento tive ódio dele. Um breve momento em que pensei que ele podia ter evitado tudo aquilo.
Entao o chamei para junto dela e falamos.
Não conseguia entender ainda como pode o Babbo deixar isso passar desapercebido. Mas logo em seguida cai na real, tinha que tomar pé da situação e para isso o Cado já tinha marcado com grande dificuldade e usando todos seus conhecimentos com um dos maiores especialistas na Itália.
Depois da conversa corri para o hotel onde estava o Cado. Sem nada dizer ele me pegou pelo braço e me levou na beira mar. Ele sabe que na frente do mar me sinto mais seguro.
Sem dizer palavra, encostei no peito que muitos choros meus já molharam, em seus braços encontrei forças  de falar da loucura que a mamma estava fazendo.  E em suas palavras encontrei o conforto de ser amado. Encontrei forças para tomar as atitudes que deviam ser tomadas.
Voamos naquela mesma noite à Milano, onde a mamma com um esforço sobre humano e ao lado do Babbo se despiu pela primeira vez para outro homem. Com estes exames clínicos e mais alguns outros, começamos uma inglória batalha contra um inimigo com fome do corpo de minha mamma. A primeira cirurgia foi outra batalha familiar. Escondendo isso do Lipo me sentia um traidor, mas tinha pavor de pensar no pavor que ele sentiria.  Depois dessa cirurgia, seis meses depois o resultado de que não foi suficiente e que após a retirada do útero seria preciso retirar o seio inteiro da mamma. Um flagelo que só uma Donna pode sentir seu tamanho, uma verdadeira amputação.
Nestes dias pode ver o quanto o amor e o companheirismo de anos podem ser salvador. O Babbo não saia um segundo de perto dela, e eu todos os dias ligava e estava na Itália em todas as decisões importantes em relação a saúde da mamma. Para o Lipo inventamos um negocio na Europa. Ele tinha passado nas provas de pós-graduação. Era agora um advogado especializado em comercio exterior e fazia um MBA em New York, coisa que me foi salvadora.  As vitórias do mano contra balançavam minhas tristezas com relação a saúde de nostra mamma.  A cada derrota para o câncer me sentia fraco, uma coisa avassaladora passava por minhas emoções, não precisava mais esconder lágrimas, simplesmente elas não vinham mais. Sentia apenas ódio.
No natal o Lipo percebeu a magreza mamma e só sossegou quando ela mesma lhe disse que teve uma doença e retirou o ovário. Brincando falou que a mamma dele estava envelhecendo e que velhos se apequenam, ficam menores com o tempo. Foi uma época em que as dores não eram corriqueiras, eram controláveis com poucos remédios. O Lipo estava feliz em estar junto a mamma, em estar em casa, e estava apaixonado pela namorada. Uma patricinha, que já tinha andava dando muito trabalho e dor de cotovelo ao Leo.
Este foi um belo natal, estávamos juntos de novo, nós 4, agora éramos quase 17, entre tios, primos casados e solteiros. Mas como sempre fazíamos juntos só nós 4 as orações do aniversario do Salvador. Por um momento enquanto repetia a ladainha aprendida com anos de prática, via mio fratello abraçado a nossa mamma e com a foto da Gioia (a Búfala) entre as mãos. Sorri feliz em vê-los juntos e pensava como podia depois de tantos anos esse apego do Lipo ao seu animal querido de infância. E mio cuore doeu, senti uma lágrima rolar com medo de que fosse a última vez que estivéssemos juntos em quatro.  Senti em toda sua grandeza como eu dependo de cada um dos que ali estavam, mio fratello, mio cuore, mio amore, miei babbos a raiz que me mantém firme em solo querido, que alimentou meus sonhos e minhas vontades. E Pensei. Será que se eu não os tivesse teria feito algo de belo em minha vida?

3 comentários:

  1. Matteo é com pesar q leio o conto 36,naquela ocasião em que conversamos pelo msn, cheguei a imaginar esta possibilidade não comentei,pois achava q se vc quisesse comentaria.Espero q na medida do possivel esteja tudo bem.Que os "deus" abençõem e iluminem a todos vcs. Precisando estou aqui a qq hr e torcendo por todos
    Beijo

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  2. Matteo acho que vc deve imaginar como estou agora né.. enquanto lia o capitulo, meus pensamentos estavam longe.. passou um livro em minha cabeça.
    Sei como vc esta sentindo eu passei por isso e sei como é.. desde a ultima vez que conversamos pelo msn não paro de pensar em vc.. Forças meu amigo.. e um conselho.. esteja sempre ao lado dela.. um Forte abraço meu amigo.. precisando de mim.. vc sabe que pode contar comigo...

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  3. força grandão...só quem já passou por isso sabe como eh duro..estamos contigo...

    bjos do Will

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